terça-feira, 21 de abril de 2009

P.S.
E o que escreveu Vera Lagoa (no seu caderninho de notas ou não) sobre o Burgau, quando lá esteve em 1967, foi o seguinte: "

Como não quero estragar a praia, não lhes digo onde é nem como se chega a Burgau. Difícil o caminho. E ainda bem. Mas não tanto, por favor.

Já se sabe que é no Algarve, e pronto. Caminho asfaltado mas, quando se chega a um cruzamento que diz “Praia do Burgau” – restaurante Âncora, começam – e nunca mais acabam a não ser no mar – os calhaus.

Pneus de carro, uma desgraça. Suspenção, outra. Poeirada, esgotos pelo meio daquilo a que se devia chamar ruas, etc. Muitas galinhas, muitas mulheres vestidas de negro, alguns cães.

Falei em Restaurante Âncora? Pois, é de um inglês. Eles descobrem tudo, eles comem tudo. Por mim, prefiro o Beira-mar. Antiga tasca, ainda não restaurante, televisão, pescadores bebendo a sua “rabrunheira”, comida excelente.

Caldeiradas, linguados fritos, carne optima (onde a conseguirão?) tudo traz a Julieta, uma rapariga que se levanta de madrugada para ir à cidade mais próxima (em Burgau o peixe é vendido para o estrangeiro) fazer compras. Vai e vem de camioneta, sempre sorridente, chega ao Beira-Mar ainda a tempo de que se faça o almoço. Quem o faz? Outra mulher de negro que a Marie Claire chama de “senhora Crisântemo” (nada a ver com a Butterfly). Chama-lhe assim porque ainda não lhe entendeu o nome. Eu também não. Fiquemos no Crisântemo.

Mesa limpa. Tudo abundante. Boa fruta. Sorrisos da Julieta, de Crisântemo e do Idalino. Aqui cheguei ao patrão. Idalino anda sempre de boné na cabeça, como patrão que se preza. Faz poucas vezes a barba porque aquilo é gente que tem muito que fazer e quase não se deita. Idalino é um homem modesto, mas atrai mais gente ao Burgau do que alumas centenas de cartazes turísticos.

Gente simples, bondosa. Não há perigo em se encontrar no Beira-Mar Alcácias ou Amadeus. Esses vão ao Âncora. A casa do Idalino vai gente despretenciosa. Aquela que tem uns dias de férias para passar a família. Todos têm muitas crianças. Não há uma discussão. Ninguém se embebeda a não ser de sol.

Esta gente, a do Idalino, seus amigos e alguns banhistas, fizeram um dia destes, uma coisa linda. Para mim, foi. Meu filho deixou cair o carro num buraco de onde seria difícil tirá-lo. Vieram todos. Todos ajudaram. Portugues. Um estrangeiro. Todos fizeram força. Eu estava ali a assistir, comovida. Ninguém nos conhecia. Mas estávamos em dificuldades. Que gente boa, aquela do Burgau!

Os fins de tarde. A água do mar parada. Restos de sol e, finalmente, um pouco de frescura. Ninguém pensa em vestidos. Uma blusa por cima do “maillot”e chega. Os homens vestidos de tronco nú. A solidariedade lindo do dia em que o carro caiu, mantém-se. Todos dizem “bom dia” e sorriem. As crianças vão sozinhas para a praia. Ninguém fecha o carro, porque não há exemplo de roubarem alguma coisa. A chave fica sempre na porta.

Não só facilidades no entanto. Burgau tinha, até há uns dias um encarregado do correio, o senhor Reis. Dava a casa, tinha lá uma cabina telefónica, registava encomendas, vendia selos, etc. Pois os C.T.T recusaram-se a pagar o ordenado da empregada que o senhor Reis lá tinha (ele trabalhava de graça). Burgau é quase desconhecido. Mas já tem banhistas. E muitos, muitos franceses e ingleses. Toda essa gente, em chegando o Verão, dá um trabalho enorme À casa do senhor Reis. E os C.T.T nada.

Então o senhor Reis decidiu-se aos grandes passos. Recusou-se (e muito bem) a enviar e receber encomendas, a receber ou mandar telegramas, etc, etc. Temos portanto, uma terra que daqui a muito pouco tempo será anunciada como um “paraíso no Algarve” sem telefone, sem correios, completamente isolada do mundo.

Não quererão os C.T.T reconsiderar e impedir que o senhor Reis feche a porta? Estive dois dias à espera de um telegrama e tive de o ir buscar à tal cidade mais próxima. Na era atómica.

Ah! É verdade! Não quererá a Câmara Municipal da tal “cidade mais próxima” fazer esgotos em Burgau? Não quererá, depois fazer-lhe ruas? A gente de Burgau merece. É gente que vive do mar e de alugar, no Verão, casas aos banhistas. E do sol, evidentemente. E mais nada."

Este texto foi retirado do Portal do Burgau (www.algarvento.com).

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